segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CRIME ORGANIZADO

Virou moda no Brasil falar em crime organizado. Os atores estatais envolvidos no combate à criminalidade definem como crime organizado qualquer bando ou quadrilha que tem uma ação criminal eficaz. Caso ocorra um assalto a banco e o lucro dos assaltantes seja considerado alto, as manchetes dos jornais dirão que foi uma ação do crime organizado. Os atentados a postos da Polícia Militar em São Paulo, em novembro de 2003, foram denominados como ações do crime organizado. O Comando Vermelho é taxado de organização criminosa; o PCC também . Fernandinho Beira-Mar, para muitos policiais, é um dos grandes líderes do crime organizado no Brasil. Mas, afinal, o que é crime organizado?

o Ministro da Justiça, , ao criar, no âmbito do seu ministério, um órgão para o combate a lavagem de dinheiro, declarou ser necessária a definição de crime organizado. Corroboro com o ministro. A definição é importante por conta de que no Brasil os órgãos do Sistema de Justiça não sabem onde combater o crime organizado – embora pareça evidente os âmbitos da sua atuação. Além disso, o Ministério Público, por exemplo, não tem como enquadrar juridicamente os atos que porventura tenham sido praticados por organizações criminosas

A construção do conceito do que é crime organizado não é fácil. Aspectos econômicos e institucionais devem ser levados em consideração. Inicialmente, é de vital importância tentar descobrir quais são as características – que estão no âmbito econômico e institucional – que permitem que um grupo de indivíduos que pratica atos ilícitos possa ser classificado como organização criminosa. Dentre essas características devem ser observados o modus operandi dos atores na operacionalização dos atos criminosos, as estruturas de sustentação e ramificações do grupo, as divisões de funções no interior do grupo e o seu tempo de existência.

Além disso, as organizações criminosas devem ser analisadas também por meio de suas dimensões de atuação. Ou seja: existem organizações que atuam apenas em nível local, sem conexão com outros grupos no âmbito nacional ou internacional. Por outro lado, existem organizações que são nacionais ou transnacionais, as quais criam uma cadeia de iteração nas esferas local, nacional e internacional. Os poderes econômico e político devem ser analisados também por meio das dimensões.

O Federal Bureau of Investigations (FBI) define crime organizado como qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais. Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes públicos. Para a Pennsylvania Crime Commision, as principais características das organizações criminosas são a influência nas instituições do Estado, altos ganhos econômicos, práticas fraudulentas e coercitivas.

A Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil enumera 10 características do crime organizado: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação ; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos

O professor de Direito Penal da Universidade de Frankfurt, Winfried Hassemer, afirma que dentre as características de atuação das organizações criminosas estão a corrupção do Judiciário e do aparelho político , constata que na Colômbia as organizações criminosas atuam de modo empresarial, procuram construir redes de influência, inclusive com as instituições do Estado, e, conseqüentemente, estão sempre em busca de poder econômico e político.

Mingardin aponta quinze características do crime organizado. São elas: 1) práticas de atividades ilícitas; 2) atividade clandestina; 3) hierarquia organizacional; 4) previsão de lucros; 5) divisão do trabalho; 6) uso da violência; 7) simbiose com o Estado; 8) mercadorias ilícitas; 9) planejamento empresarial; 10) uso da intimidação; 11) venda de serviços ilícitos; 12) relações clientelistas; 13) presença da lei do silêncio; 14) monopólio da violência; 15) controle territorial.

Chama-me a atenção de que em todas as características apontadas, a não ser as enumeradas pela Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil, a relação entre Estado e crime organizado está presente. Portanto, uma das características do crime organizado é buscar apoio para a sua atuação no âmbito institucional – instituições do Estado. Um outro ponto importante é que as ações do crime organizado têm como engrenagem o sistema capitalista. Por meio dos benefícios do capitalismo, como, por exemplo, a interação dos mercados financeiros, é possível tornar as atividades das organizações criminosas bastante lucrativas. A interação dos mercados financeiros proporciona, é importante ressaltar, a lavagem de dinheiro.

As divisões de funções e a presença da hierarquia são outras características apontadas por quase todas as fontes mostradas. Neste sentido, as organizações criminosas têm o seu funcionamento parecido com uma empresa capitalista, onde funções são estabelecidas para cada um de seus integrantes – funções estas, obedecendo ao princípio da hierarquia. A atuação à margem dos poderes do Estado, através de atos que contraria a ordem jurídica, é uma característica apontada por todas as fontes citadas. As atividades do crime organizado se contradiz com o ordenamento jurídico oficial. Neste sentido, apesar da contradição, afirmo que as atividades das organizações criminosas precisam dos atores estatais para ser lucrativa e ter uma vida durável. Portanto, o crime organizado é a película cinzenta do Estado.

Por conta de o crime organizado ser a película cinzenta do Estado, a prestação de contas (accountability) das instituições estatais fica prejudicada. O Estado, motivado pelo fato de que osmodus operandi das organizações criminosas requisitam os atores públicos para serem parceiros no desenvolvimento das atividades ilícitas, perde a sua transparência, e acima de tudo, passa a funcionar guiado pelos interesses dos senhores do crime.

Diante das argumentações expostas, o que seria crime organizado? Ao meu entender, crime organizado caracteriza-se por ser um grupo de indivíduos que tem as suas atividades ilícitas sustentadas por atores estatais (por meio do oferecimento de benesses ou atos de cooperação), onde os sujeitos criminais desenvolvem ações que exigem a presença do mercado financeiro, para que isso possibilite, às vezes, a lavagem de dinheiro, e conseqüentemente, a lucratividade do crime. Por fim, são grupos que relativamente atuam por um considerável período de tempo, tendo as suas funções estabelecidas, com hierarquia, para cada membro.

O importante é saber que as estruturas do crime organizado são o poder institucional (Estado) e o econômico. O modus operandi das organizações precisam dos poderes citados para sobreviverem, e por conseqüência, serem lucrativos. Além disso, as organizações criminosas podem dominar uma parcela do mercado econômico ou um território geográfico – onde nestes exercem os seus poderes político e econômico.

É importante ressaltar, e isso é de suma importância para a análise de uma organização criminosa, que as organizações criminosas não possuem poderes idênticos – os seus poderes devem ser classificados por dimensões. Determinadas organizações possuem um maior poder de influência, e conseqüentemente um sustentáculo mais rígido, ou seja, difícil de ser combatido, do que outras, nos âmbitos econômico e institucional. Além disso, a lavagem de dinheiro não é praticada por toda organização criminosa. Isto é: a lucratividade da atividade criminal da organização pode não ser tão alta para possibilitar a lavagem de dinheiro.

O quadro abaixo evidencia as dimensões do crime organizado. Friso, no entanto, que o quadro mostra o crime organizado na sua atividade de tráfico de drogas. Porém, as organizações criminosas têm diversas atividades, entre estas: roubos de cargasraudes em licitações públicas , tráfico de òrgãos , tráfico de seres humanos, venda de sentenças judiciais, etc.

A suposta organização criminosa comandada por Fernandinho Beira-Mar estaria em que dimensão? E a do Leonardo Mendonça, acusado pela Polícia Federal, através da Operação Diamante, e pelo Governo Americano, de ser um dos maiores traficantes do mundo? No caso do Leonardo Mendonça, suponho que ele esteja na mesma dimensão do Beira-Mar .

Para consolidar a definição de crime organizado, trago, como exemplo, algumas operações feitas pela Polícia Federal. Dentre estas, destaco, a Operação Anaconda. Esta foi desenvolvida por agentes da Polícia Federal de Brasília no estado de São Paulo. Após anos de trabalho, a Polícia Federal conseguiu prender oito pessoas; dentre estas: um juiz federal, um policial e um delegado federal, e uma auditora da Receita Federal. Os atores criminais presos pela Operação atuavam na intermediação de venda de sentenças, e soltura de criminosos – como contrabandistas e traficantes de drogas.

Uma outra Operação importante foi a Planador. Esta possibilitou a prisão de doleiros e 12 polícias federais em agosto de 2003. Os atores criminais estão sendo acusados de facilitar contrabando, falsificação de passaportes e lavagem de dinheiro – neste último, o dinheiro era proveniente da Previdência Social. A Polícia Federal deve ter encontrado dimensões – inclusive, é claro, variações de poder – diferenciadas em cada organização criminal investigada

É importante trazer à tona as diversas operações policiais contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro – se é que ele existe. Dentre estas, destaco a Operação Mosaico, realizada pela Polícia Federal, na década de 90 Nesta Operação foi tornado público que bicheiros estavam atrelados a traficantes de drogas dos morros cariocas. além disso, muitos deputados federais e estaduais, e vereadores recebiam apoio dos traficantes e bicheiros nas suas campanhas eleitorais. Em troca, o poder político, por meio (e isso era um dos meios) de interferência nas forças policiais, protegia as ações dos traficantes.

Se não há definição específica sobre o que se pretende combater, a guerra não terá sentido nem utilidade.


terça-feira, 3 de agosto de 2010

LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR VALE PARA INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - BANCO É RESPONSÁVEL POR PAGAMENTO DE CHEQUE COM ASSINATURA FALSA

Processo 1553/2003 3a Vara Cível-Central
Vistos. Paulo Cremonesi e Paulo Cremonesi Advogados S/C, propuseram ação ordinária de indenização por danos materiais e morais em face de Banco Bradesco S/A. aduzindo, em síntese, que os autores são correntistas. Descobriu que a então sócia do escritório I.V.L., emitiu cinco cheques em nome do escritório-autor e hum em nome do sócio-autor, sem poderes para tal e, em ambos, falsificou a assinatura do co-autor Paulo Cremonesi, gerando débito em suas contas que, atualizado, atinge R$15.000,00. Que este fato forçou a realização no escritório do autor de uma auditoria pelo custo de R$14.000,00. Deixou, também, de celebrar negócio no valor de R$100.000,00 bem como necessitou de vender um veículo abaixo do valor de mercado causando uma perda de R$15.000,00 Atribui ao réu a responsabilidade pela compensação dos títulos, bem como pelo ressarcimento das quantias supra e mais indenização a título de danos morais. Junto a contestação o autor juntou laudo de exame grafotécnico onde atesta a falsidade da assinatura de I. V. L. (fls. 74/234). Citado, o réu contestou (fls. 248/284). Suscitou preliminar de ilegitimidade de parte ativa da co-autora Paulo Cremonesi Advogados S/C e requereu a denunciação à lide de IVL. No mérito aduz que Idetinha poderes para administrar as contas tanto do escritório quando do sócio autor, conforme por ele próprio admitido na petição inicial do processo cautelar em apenso. Que a falsificação foi tão perfeita que não tinha o requerido condições de percebê-la quando da apresentação dos títulos. Quanto a aos danos materiais, inexiste prova de que o negócio deixou de ser realizado, bem como da realização da auditoria Réplica às fls. 377/396. Despacho saneador às fls. 466/467. Apenas o autor apresentou memoriais. É o relatório. DECIDO. As preliminares suscitadas já foram apreciadas e afastadas em despacho saneador às fls. 466/467 onde, também, foi indeferido a denunciação à lide. No mérito o pedido é parcialmente procedente. Ainda que o autor tenha assentado na inicial do processo cautelar em apenso de que a sócia I detinha a função de administrar as contas dos requerentes, por certo que em tal função não estava implícito a possibilidade de falsificar assinaturas lançadas nos cheques em debate, e nem tão pouco franqueado à instituição financeira-ré sua compensação. As provas abojadas aos autos são extreme de dúvidas de que as assinaturas nos seis cheques não são do autor. Assim foi constatado no laudo pericial acostado à inicial e na confissão de I.V. às fls. 85/87 do processo cautelar. Em que pese ter o réu impugnado o laudo sob a alegação de tratar-se de prova unilateral, ao deixar de depositar os honorários causou a preclusão da prova pericial (fls. 513). Assim entendido, por certo que o requerido, ao permitir a compensação das cártulas, falhou na prestação de seu mister, devendo responder pelos danos causados. A falsificação ainda que perfeita não afasta a responsabilidade do Banco. Nesse sentido: ”O fato de se tratar de uma fraude, em nada interfere na responsabilidade do estabelecimento bancário, pois este era justamente o único a poder evitar que as autoras sofressem os transtornos gerados pela falsificação praticada.” (2ª Câmara de Direito Civil do TJSC, embargos de declaração nº 2006.048536-1). Quanto aos danos materiais, além de inexistir prova de sua ocorrência, não são eles verossímeis. Pouco crível que a proposta para o autor integrar o quadro societário do escritório Sérgio Magalhães Filho tenha se esvaído por contas dos fatos em debate. O próprio autor admite que existiu, também, fatores de ordem pessoal para a ruptura das negociações. Ainda, por certo que o valor do débito atualizado, R$15.000,00, pouco influência teria num negócio no porte de R$100.000,00 ou R$200.000,00 podendo ocasionar, no máximo, a redução da proposta, mas não o encerramento das negociações, sem considerar a hipótese de que as partes nele envolvidas, todos advogados, possuem conhecimentos de que os fatos, quando levados à apreciação do Judiciário, por certo seriam revertidos à favor dos requerentes. Da mesma forma a necessidade de realização de auditoria no escritório requerente. Esta possibilitou a constatação não apenas da conduta perpetrada pela sócia IV, mas também de outros fatos não trazidos aos autos, mas que reverteram à favor da sociedade. Portanto, não pode o réu custear tal trabalho. Continuando, inexiste nos autos elementos ou mesmo indícios de que os requerentes necessitaram vender um veículo para honrar com o pagamento dos cheques devolvidos. Ainda que de fato alienado, a opção de sua venda abaixo do valor de mercado pode não ter sido a mais adequada, notadamente numa época onde a economia se encontra aquecida em diversas áreas, até mesmo no automotivo. Assim, não pode o requerido arcar com este prejuízo. Por fim, devido é a indenização por dano moral. Os autores, por meio de carta, comunicaram o banco sobre o ocorrido, ou seja, a falsificação dos cheques. Assim, poderia e deveria adotar medidas a evitar o ingresso com a presente ação. As conseqüências da inércia do Banco resultou em desgastes que extrapolam aqueles esperados no cotidiano. Em que pese ter o requerente especificado o quantum indenizatório pretendido a título de danos morais, não escapa à apreciação judicial o valor apontado. Deve-se atentar aos princípios do não enriquecimento indevido, da conduta da requerida e das forças financeiras das partes. Também se busca a gravidade da ofensa, risco criado, e a culpa ou dolo. A quantia arbitrada a título de danos morais já vem atualizada. Assim, desnecessário a aplicação dos juros de correção a contar da citação. Seria corrigir o que já se encontra atualizado. Nesse sentido súmula nº 362 do STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.” Posto isto, julgo parcialmente procedente o pedido e condeno a ré Banco Bradesco S/A a ressarcir os autores Paulo Cremonesi e Paulo Cremonesi Advogados S/C nos valores despendidos com os seis cheques elencados na inicial, corrigido e atualizado pela Tabela Prática do TJ/SP a contar do desembolso. Juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Condeno o réu, ainda, a indenizar os autores, a título de danos morais, em R$5.000,00, já corrigido e atualizado. Juros de mora de 1% ao mês a partir da publicação da presente. Mantenho a tutela antecipada de fls. 126. Extingo o processo com resolução de mérito e o faço nos termos do art. 269, I do Código de Processo Civil. Custas processuais e verba honorária, que arbitro em 20% sobre o valor da condenação, pela ré. Limito as astreintes em 10 dias multa. P.R.I.C. São Paulo, 23 de julho de 2.010 ALEXANDRE ANDRETA DOS SANTOS Juiz de Direito